29.6.09

Quem me dera


Quem me dera, meu Deus, quem me dera
Que isso tudo pudesse apenas
Ter a cor das lembranças pequenas,
Gota leve ao vapor das quimeras.
Quem me dera que o peito abrigasse
O frescor de toda primavera,
E o sabor que a vida tempera
Posto ao meu paladar, agradasse.
Quem me dera volver num segundo
Teu olhar que um dia meu mundo
Envolveu em tua atmosfera.
Bastaria um átimo que fosse
Sob a luz do sorriso mais doce
Para o meu despertar. Quem me dera.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

23.6.09

Incêndio


A lânguida luz do sol na janela
Convida cândida à preguiça.
Num céu de manhã domingueira,
No farfalhar do jornal na cama,
Minha libido que sua presença atiça
Acende em mim sua tórrida chama.

E faz-se o incêndio do meu amor por ela,
Que sem pressa e em silêncio a nós dois incinera
Feito lenha seca na fogueira.
E depois, ao vento, leves como cinza,
Sob a luz de um sol de primavera,
Adormecemos nus em minha cama.

Despertando então, quando a tardinha chama,
Sob o apelo do apetite,
Notando que uma brasa ainda insiste,
Novamente tudo se inflama.


Frederico Salvo
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20.6.09

Inegável dependência


Desgasta-nos seguir assim em linha reta
Ao ritmo desse compasso acelerado.
Por que querer fazer do tempo uma seta
Se o tempo caminhando vai espiralado?
Respiro a brisa que me chega matutina
E traz gratuita, embriagada a energia
Que entra em mim tão benfazeja e genuína
E põe-se a circular ligeira em harmonia
Com tudo que na natureza bela pulsa,
Que segue ao todo entrelaçada e não avulsa
E torna iguais o porco-espinho e a rosa flor.
A nós, que temos o pulsar da consciência,
Cabe aceitarmos a inegável dependência
Da lei que rege o universo: A lei do amor.


Frederico Salvo
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16.6.09

Bala perdida



Uma opinião direta
É decerto de muita valia;
Clara luz na madrugada.

Mas quando ardilosa e secreta,
Cheira mais a covardia
A qualquer um endereçada.

É como um golpe no escuro;

Bala perdida e mais nada.


Frederico Salvo
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11.6.09

Somente sejas


Não te preocupes com o que serás para mim.
Da tua forma e com teu jeito de ser, apenas sejas.
Não te preocupes em adjetivar seja lá o que fores,
Mas larga de ti mesmo e sê inteira.
Não sejas apenas a parte, o gesto contido;
Sê o todo, porque o todo é tua melhor parte.
Quando te lembrares de mim, lembra com liberdade;
Não te cobro nada.
Solta tuas amarras e exorciza teus medos.
Seja lá o que fores; Peço-te um favor:
Somente sejas.


Frederico Salvo
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9.6.09

Etéreo



Caminha a meu despeito esse desejo.
Viaja pela rota inesperada.
Eu penso enxergar, mas nada vejo,
Eu creio tudo ser, mas não sou nada.
A força que me move muita vez
É a planta que desejo ver ceifada;
Lamento que me abóia feito rês
E põe-me a caminhar por essa estrada.
O peso em nosso dorso é o peso certo;
A cota que nos cabe é a que é decerto
Aquela que nos forja plenamente.
Sou pedra sutilmente lapidada,
Sou água sabiamente renovada
Nas tramas dessa força inconsciente.


Frederico Salvo
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6.6.09

Por teu sonho


Vê quantos sonhos esquecidos, rotos,
Subjugados ao desdém do mundo;
Ouça silente o lamentar profundo
N’alma fria dos que vivem mortos.
Sente esse cheiro inebriar a casa
Aonde mora e dorme a esperança;
Foge depressa! Salva a criança...
Beija-lhe a face, ama, dá-lhe asa
P’ra que liberta seja e alce voo,
E prove um dia o fruto que viceja
Lá na mais alta haste desse galho.
Qu’ela não ouça o canto que hoje entoo
Qu’essa quimera, Deus, bendita seja
E o teu querer, amor, não seja falho.


Frederico Salvo
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4.6.09

Assim somos


Somos meio céu e meio terra,
Ode entre o espírito e a matéria.
Somos meio paz e meio guerra,
Chama meio corpórea, meio etérea.
Elo entre o visível e o invisível,
Ponte entre a dúvida e a certeza;
Pedra entre o real e o indescritível,
Grito entre o brutal e a sutileza.
Cais entre o vislumbre e a cegueira,
Grito entre o prazer e o desespero,
Farpa entre o caótico e o bucólico;
Vão que vai do chão a cumeeira,
Ás entre o sensato e o destempero,
Sonho entre o tédio e o insólito.


Frederico Salvo
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1.6.09

Ouvindo o som do silêncio


Aqui onde posso ouvir o som do silêncio
E onde tudo parece voltar a normalidade;
Aqui onde o verde acalma os sentidos
E o ar da montanha, agradavelmente, meus pulmões invade,
É que passo a fazer sentido.
Como um pé de fruta, um piar de passarinho,
Um coaxar de sapo, um sussurrar de vento,
Como qualquer som natural que se escuta,
As maritacas em burburinho,
O farfalhar gostoso do mato,
Como tudo, enfim, de que me faço complemento.
Irmano-me aqui com a natureza, agora;
Agrego-me a ela como uma rã,
Uma ameixeira, um preá, um hibisco;
Estou como a alma de São Francisco,
Que dela sempre se sentia irmã.
Aqui onde posso ouvir o som do silêncio
Pergunto aos meus botões:
Perdemos o bonde da essência?
Pra que tanta coisa vã?


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.