29.8.09

Solilóquio


Por onde andarão as palavras certas
Que os versos enchiam em graça e contento?

Estão como palhas jogadas ao vento,
Perdidas no limbo das horas incertas.

Por onde andarão inebriantes musas
Que nuas dançavam em meus pensamentos?

Estão apartadas em claustro convento,
Nos ocos segundos das horas exclusas.

Se o tempo se impõe exato, irredutível;
Se os sonhos se perdem ou ficam pela estrada,
Eu deixo o silêncio completar-me lento?


Esqueça o futuro cego, imprevisível;
Afasta o passado coxo da jornada;
Entrega-te ao Todo e viva o momento.


Frederico Salvo
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Deireitos efetivos sobre a obra.

23.8.09

Frutos


Não interessa aos frutos se quem os têm irá explorar a outros por suas qualidades ou se irá saciar diretamente a fome de alguns sem pedir nada em troca. Cabe-lhes apenas serem frutos. Verdadeira culpa tem aquele ou esse se aduba mal intencionado.

Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

16.8.09

Tormento


Onde estarão as cores do mundo,
Que outrora enfeitaram meus dias
E celebraram comigo a alegria?
Onde estarão as bocas que cantavam libertas
Os cantos de imaturas letras,
Mas de incomparáveis força e sentido?
Meu Deus!
Onde estarão a pureza dos meus gestos
E a receptividade crédula aos gestos alheios?
Onde andará a inocência
Que procurava em tudo o verdadeiro sentido
E que se ressentia por não ser ainda mais cristalina?
Tudo deu lugar a este tormento
Onde cores são cores apenas;
Bocas cantam rotineiramente
Cantos de letras maduras e repetitivas;
Gestos são sempre comedidos, objetivos;
E a inocência vem apenas esporadicamente
Passear, tímida,
Sobre as frases dos meus versos.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

8.8.09

Sedimentos


Quando cessa o intenso movimento
Em que as águas turvas, ondulantes,
Dão adeus aos ventos fustigantes;
Vai ao fundo todo sedimento.
Onde não se via nada antes,
Vê-se agora, às mínimas do vento,
Na serena calma do momento,
Sob águas claras, deslumbrantes,
O que outrora, extremamente vago,
Na tormenta célere do lago,
Parecia mesmo inexistente.
Aquieta-te meu pensamento,
P’ra que eu possa ver sem sofrimento
O que vai em mim profundamente.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

foto: www.mmcbrasil.com.br/ilustra/100408_agua5.jpg

5.8.09

Hiato



Acomete-me falar agora desse hiato que me entristece a alma. Essa pausa a interromper a terna melodia que me encantava. Não é da minha vontade imediata que seja assim. Vem de mais profundo remetente, das subterrâneas paragens onde os mais contundentes desejos gritam por liberdade. Agora que já não é dia ensolarado e o frio da noite açoita nossos corpos, é que me sinto com as palavras a saltar da boca. E todas elas vêm emolduradas pelos anos de convívio. Por mim já teria desfeito as malas e desistido de partir. Por minha vontade já haveria boa música novamente a entreter o espírito, mas há algo que pesa demasiadamente...
Essa constatação incômoda de não poder realizar-te o sonho.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

1.8.09

Sob um facho de luz


Na platéia às escuras, sozinho,
Em silêncio, ao abrir das cortinas;
Num cenário de horas vespertinas,
Vejo um vulto surgir num caminho.
Feito um anjo em corpo feminino,
Uma deusa ao som do bolero.
(num suspiro contido eu espero,
deslumbrado como se menino).
Ouço a música crescer em dinâmica
E os tambores febris da sinfônica
A rufarem magia profusa.
Bem no ápice da cena eis que salta
Claro facho de luz da ribalta
E ilumina o sorriso da musa.


(palmas ecoando no teatro vazio).


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.