27.3.10

Arte (poema musicado)

(tela de Van Gogh)




Arte é a forma mais bonita
De expressar o que há em vida.
Vive em todo coração.
Arte explode em todas as esquinas,
Nos teatros, nas vitrines,
Poesias e canções.
Arte num chute a gol,
Arte na voz do cantor,
Num poema,
Num batuque à beira do mar
Olha a arte a reinar...
Arte: passado e futuro.
No escuro...
... a arte de amar.

Arte estandarte precioso,
Nesse mundo o mais gostoso,
Nessa vida o que se tem.
Arte em qualquer parte;
A natureza é o exemplo mais pulsante,
É constante inspiração.
Arte no brilho do sol,
Arte também no sabor da pequena fruta.
Arte à beira do mar,
Onde vão se encontrar...
Duas das artes do mundo:
Um samba...
...e a água a rolar.


Letra e música: Frederico Salvo
Violões e voz: Frederico Salvo

25.3.10

Auto-retrato


Enxergas bem e deitas pincelada
A cada olhar que lanças ao espelho,
Mas tua tez um tanto amarelada
Na tela, tu carregas em vermelho.
Os olhos têm um brilho diferente
Daquele que percebes na imagem,
Pois eles são os olhos que tu sentes
Assim como se fossem uma miragem.
E na manhã chuvosa vais traçando,
Em cores vivas vais esmiuçando
Detalhes teus na mais intensa calma.
E a obra ao findar, no cavalete,
Te chega como um canto em falsete:
Sem perceber... pintaste tua alma.


Frederico Salvo

20.3.10

Carpe Diem


Ouça agora o que tenho a lhe dizer,
Pois não sei se adiante me virão as mesmas palavras.
Dispa-se e me entregue a sua volúpia
Deixando nossas bocas se inundarem uma da outra,
Já que não sabemos se haverá
Outro momento de tamanha beleza.
Solte as rédeas e deixe correr desenfreado o seu desejo,
Pois na sôfrega magia desse beijo
Descansa nossa momentânea verdade,
Repousa nossa presente certeza.


Frederico Salvo

17.3.10

Clarabóia


Ele esperava.
Não sabia o quê,
Mas esperava.

Havia um vazio incômodo,
Uma clarabóia
Vazada no peito.

Ardia nele, perene,
A chama d’um sonho
Que o conduzia.

Andava pelo parque
Ou pelas ruas.
Era um cidadão comum

Que amava Beatles
E colecionava insetos...
Espetadas reminiscências.

Passou uma vida assim,
Esperando pelo que não sabia,
Com os raios a cruzar a clarabóia.

Um dia, numa madrugada órfã,
Ela chegou sorrateira,
Esgueirando-se por trás da cortina.

Deitou-se calmamente sobre ele
Sem dizer um nada...

Num estertor derradeiro
Ele, enfim, sentiu-se completo.


Frederico Salvo

14.3.10

O louco


Os gritos varavam a noite,
Ora ecoando juntamente com os latidos dos cães ao longe,
Ora perdido em meio ao roncar dos motores na avenida.
Todas as noites lá estava ele,
Soltando palavras ao vento,
Bradando palavrões contra o mundo.
Pensei na criança que ele teria sido,
Na ingenuidade que um dia também lhe pertencera
E que acabou sufocada,
Solapada pela realidade.
Pensei na fragilidade do homem diante das incertezas da vida,
Na gigantesca interrogativa que fica diante da origem e do destino.
Senti-me pequeno, esfacelado,
Procurando respostas que, conscientemente, sabia não poder encontrar.
Fechei os olhos... Suspirei...
Vasculhei o meu interior.
Havia uma coisa pulsando lá dentro.
Lembrei-me do amor.
Pensei que pudesse ser ele o conforto.
Quando dei por mim já era bem tarde
E os gritos haviam cessado.

(1984)


Frederico Salvo

11.3.10

Dilema


Porque foste presente e castigo,
Cravados em cruel dicotomia.
Porque foste relento e foste abrigo,
Exata reta em vasta assimetria.
Porque foste o antídoto e o veneno
Servidos nessa taça; homogêneos.
Porque foste o pudico e o obsceno
No oco desse peito; heterogêneos.
Foi que perdi o rumo, o caminho
E trouxe a razão em desalinho,
Valsando entre a euforia e o tédio.
Ergui um patamar, desfiz os planos.
Plantei certezas e colhi enganos,
Porque foste a doença e o remédio.


Frederico Salvo

9.3.10

Nota de falecimento


E por querer ser mais a todo custo,
E ser um imortal, talhado em busto,
Foi que lhe padeceu a humildade.

A água que era clara se fez turva,
A reta que era leve se fez curva,
Do homem que era simples, só saudade.

Futuro se perdeu em brevidade.

Morreu a sensatez; ficou o susto.



Frederico Salvo.

6.3.10

Seus olhos são os olhos do mundo


Seus olhos são os olhos desse mundo,
Perdidos nos meandros dos meus versos.
E sabem como ir bem mais profundo,
Nas comas dos meus sonhos submersos.

Seus olhos são os olhos desse mundo
E podem enxergar, mesmo dispersos,
Na ínfima passagem d’um segundo,
A sede dos meus ditos controversos.

Seus olhos são janelas que convidam
À brisa do que sou a ir mais fundo,
Lutando contra o vento adverso.

E além das nuvens claras que navegam
No azul do céu (abóbada do mundo),
Seus olhos são os olhos d’universo.


Frederico Salvo

2.3.10

Indesejada imprudência


Enquanto houver um prato desprovido de comida
E contra isso não se desprender maior esforço.
Enquanto imperar essa razão subnutrida
E tantos estiverem de descaso até o pescoço.
Sobrevirá a tudo, acorrentada, a violência,
Pois cada um que morre ignorado, pele e osso,
Induz a outros tantos a saírem desse fosso,
Usando (seja lá qual for) insana providência.
Ignorar a voz que clama exasperada e clara,
É encontrar-se nu e esconder somente a cara,
É estar resignado quando ainda há saída.
Aquele que, egoísta, assassina a consciência,
Abraça, conivente, a indesejada imprudência
De alimentar a morte... de deixar morrer a vida.


Frederico Salvo