28.1.11

O cacto e a rosa (poema musicado)

Olá pessoal!!!
Encerrando o mês de janeiro deixo para vocês mais um poema musicado. "O cacto e a rosa" foi extraído do poema de mesmo nome do meu amigo e parceiro José Silveira.
Um ótimo fim de semana a todos.






que horror.
disse a rosa
ao cacto.
quanta anomalia;
espinhos,
frutos
e flores
neste agreste.

sim,
disse o cacto à rosa
sou diferente de ti
soberba,
beleza,
folhagem,
perfume,
matizes.
sou assim:
mau humor
desse jardim.

entendo
seu
horror...

entendo
seu
horror...

entendo
seu
horror
por ser assim...


Música:Frederico Salvo
Letra: José Silveira
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25.1.11

Exílio


Estendo a mão à vida por resgate.
Há tanto tempo aguardo por auxílio,
Mas ela insiste em dar-me por exílio
A solidão, e a dor por estandarte.

Há muito venho caminhando a esmo.
Perdidos passos na estrada rude
Que vai ao nada, cansa, fere, ilude,
E faz voltar à terra de mim mesmo.

Alguém me disse que eu nunca soube
Valorizar a sorte que a mim coube
E nunca, mais serei do que vontade.

Em meu silêncio, lanço o meu destino
Nessa oração que entrego ao Divino,
Eu peço a Ele paz, por piedade.



Frederico Salvo

22.1.11

Improviso


Esse mundo descompassado
há tanto perdeu a poesia.
Eu, fruto amadurecido à força
enrolado num jornal do passado,
teimo em me vestir
com as roupas desse sonho inacessível,
contemplando a réstia
na escuridão do quarto.
Essa criança,
que um dia viu-se dentro delas
antes mesmo do tempo puí-las
e as tornarem rotas,
tem nos ouvidos
o compasso simples dos primeiros passos,
mas agora improvisa
num outro andamento jazzístico composto.
Não que seja de todo ruim,
pois a pedra bruta acaba
por acentuar o brilho quando lapidada,
mas, ainda assim,
guarda em si a nostalgia de ser desejada
apenas como pedra bruta.


Frederico Salvo

18.1.11

Haraquiri


Dulcíssima prisão ou vil castigo?
Não sei dizer ao certo. Eu lhe juro.
De vez em quando, claro. Outra, escuro;
Impávido relento, cálido abrigo.

Perfeita emoção, razão insana.
Grilhão que me tortura, mão que carinha
Por hora, leve, solta, comezinha,
Por outra, colossal e sobre-humana.

O tênue fio onde se caminha;
O divisor de águas, ínfimo muro
Por onde, andar ligeiro, aprendi.

No fruto cobiçado dessa vinha
Encontro o veneno ou me curo.

Insano e imperfeito haraquiri.


Frederico Salvo

15.1.11

Rompantes -II-

Dormiu mais que a cama
E acordou deitado
No chão.

**

A dor de cabeça do prego
É a coragem desmedida
Do martelo.

**

O soco
é semelhante ao coice.
Muda-se apenas a besta.

**

A morte é o único conhecimento
Que quem não é vivo
Aprende primeiro.

**

o inseguro
tem medo
em conta-gotas.

**

Frederico Salvo

13.1.11

O cimo do muro


Sempre assim:
Um pé lá, outro cá.
Sempre no limite.
Salvaguarda.
É exatamente onde repousa
A possibilidade de repouso,
onde assenta-se a dignidade.
Diriam uns:
O cimo do muro.
Eu digo apenas:
Abrigo...
contra esse mundo tosco.


Frederico Salvo

10.1.11

Mesmo assim


Cada vez que os olhos me dão a sua imagem
Uma paz avassaladora toma forma.
Uma febre renovadora, sã e morna
Vem fazer deste peito meu, sua paragem.

Minha tez envolve um espírito fecundo,
Minha boca lança palavras indizíveis,
Meu ouvido capta sons de outros níveis,
Outras cores, novos matizes em meu mundo.

Mesmo sendo grande a ilusão, de amor se vive;
Mesmo sendo dura, a vida, amor entorna;
Mesmo sendo rude, a paixão, amor difunde.

E assim, esta insensatez que sobrevive
Dá mais fôlego, anima e a alma orna
Deste sentimento vão que nos confunde.



Frederico Salvo

7.1.11

A terra que ninguém vai


Na terra que ninguém vai
Há apenas uma verdade.
Apenas uma certeza solitária
Que por vezes não se traduz
Em felicidade.

Na terra que ninguém vai,
Frustrações remediadas,
Antídoto contra impossibilidades
Que tecem um arremedo de vida,
Verossímeis, mascaradas.

Como pode ser tão distante
Se posso senti-la num abraço?

Feliz de quem acha o caminho
Da terra que ninguém vai.
Vai ser um, mas não sozinho,
Pois quando lá uma vida
Se encontra com outra vida,
De dentro dela não sai.


Frederico Salvo

3.1.11

Pêndulo


Por que não destes cedo enquanto éramos
Tão crédulos, a certeza em ponto máximo
De que, a bem da verdade, estivéramos
Do ápice do amor a andar tão próximos?

Por que não ensinastes a rica métrica
Que a vida em versos fez de forma prática,
Mas nossos olhos cegos, mentes estáticas
Não souberam apreender de modo lógico?

Perdoa-nos Pai se fomos insensíveis
E tornamos vossas pistas invisíveis,
Tendendo a dois lados como um pêndulo.

Agora por trilhas inimagináveis
Que antes eram hipóteses improváveis,
Vagueio eu, sozinho, ainda incrédulo.


Frederico Salvo

1.1.11

Marinha



As franjas prateadas
a dançarem ao sabor do vento
pelo canal, dão,
segundo quem sabe,
sinal de mau tempo.
A mim não escapa
A beleza rara.
Meus olhos
acostumados aos montes
se encantam
com as coisas aqui da marinha.
Um ritmo diferente,
um estímulo pouco encontrado,
um olhar contracorrente.
Da varanda me arrisco,
num mergulho seco,
a desvendar,
pela palavra,
esse oceano novo.

**

Braçadas largas e firmes
levam minh’alma
para além do alcance da vista.
Lá onde os redemoinhos
engolem os sonhos.
Meu corpo fica...
...aquém do limite
da bóia branca
que repete silenciosa
o alerta materno:
“Querido. Não vá além daí”.

**

Desde os passos mínimos
marcados na areia de Copacabana,
passando pelas bebedeiras
adolescentes no litoral Capixaba,
pelos beijos ao luar melado
nas praias de Búzios.
Desde sempre há
esse encantamento pelo mar.
Imenso mar
onde todo o peso do dia-a-dia
é deixado,
onde as vagas resgatam
o vigor esquecido,
e de onde um outro ente
surge renovado.

**

Eu aqui e agora
Vendo as franjas prateadas
Desfilarem pelo canal,
sou o próprio mar.
Um oceano de lembranças para onde
todos os rios passados convergem,
onde todas
as embarcações vividas navegam,
e onde a certeza do todo
repousa submersa
nas profundezas
que meus olhos físicos
não alcançam.

**

Eu sou o mar...
a olhar para si mesmo,
da varanda,
nas franjas prateadas
das águas do canal.



Frederico Salvo