13.10.12

Contraditório



À beira da estrada, contrito,
Deixei a bagagem pesada.
Parti a princípio aflito.
Seguia apenas, mais nada.

Achava a tudo esquisito,
Vagava qual alma penada
O peso, outrora maldito,
Fazia-me falta danada.

Sentia-me contraditório;
Da dúvida vil, envoltório.
Escravo de torpe saudade

Daquilo que menos valia.
Retrato cruel que um dia
Julguei que espelhasse a verdade.


Frederico Salvo

6.10.12

Liberdade - II -



Compulsivo e insano movimento
De querer ir de encontro à liberdade.
Esse ímpeto feroz que em todos arde
Num incêndio contumaz do pensamento.

Não se sabe explicar por onde invade,
Se nos chega pela brisa ou pelo vento.
Vem co’a força visceral de um rebento,
Revestido de brutal sagacidade.

Quem será que se perdeu pelo caminho
No afã irrefreável de encontrá-la
Ou buscou se saciar de modo empírico?

Quem um dia degustar tão nobre vinho
Saberá esse segredo ao decifrá-la:

Liberdade é a morada do espírito.



Frederico Salvo

29.9.12

Prelúdio - II -



Ontem havia, discretamente viva,
No vai e vem do fluxo coronário,
Como se fosse o canto d’um canário
A melodia linda... Sugestiva.

Belo prelúdio, raro breviário
Da sinfonia una e conclusiva,
Da mais perfeita gênese, cativa.
Motivo inédito. Ímpeto primário.

Jamais ouvira em toda minha vida
Beleza tal em notas convertida.
A perfeição às portas do absurdo.

Mas uma pausa longa e derradeira,
Da mais covarde e estúpida maneira
Rompeu com a ilusão. Tornou-me surdo.


Frederico Salvo

20.5.12

Elo perdido


O destino quebrou a corrente.
Perdeu-se o elo.

Agora há a noite desconexa do dia.

O ímpeto coeso fez-se hemorragia
E esvai-se longe do que foi outrora.

Lá fora as cores vestiram cinzento,

A brisa leve transformou-se em vento
E a rosa rubra já não mais aflora.

Perdeu-se o elo.

O destino quebrou a corrente.
O presente já não é tão belo...

Aos trancos vou seguindo em frente.





Frederico Salvo

13.5.12

Mãos-de-cabelo

Mãos-de-cabelo é um monstro horroroso
Que sabe muito bem a que veio.
Ataca no Pico do orvalho leitoso
Ou na Caverna do buraco no meio.

Vem esgueirando-se sorrateiro
Lá pela mata do desejo.
Dizem que se tornou traiçoeiro
Por não conhecer o gosto de um beijo.

O coitado é um monstro solitário
Que ataca a quem como ele se sente.
Conta o conto do vigário
E se apodera da gente.

Depois de consumado o fato,
Foge rapidamente.
Não sem antes firmar um trato:
_ Volto oportunamente!



Frederico Salvo

1.5.12

São Paulo (canção)



Letra e Música: Frederico Salvo


Depois que o sol
que imaginei se escondeu.
Por trás do arranha-céu
por fim se debateu.
Abri um furo no chumbo do céu
e imaginei estrelas a brilhar
sem véu.

Mas mesmo assim te curto
e mais,és sensação.
Viraste assim
um monstro bom pro coração.
Bar em bar eu respiro canção.

E é bom ficar perdido,
sem ter rumo,
nos braços teus.

São Paulo.
São Paulo.


Frederico Salvo (letra e música)


1984

Direitos efetivos sobre a obra.

22.4.12

Pós volúpia




Ah, esse silêncio incômodo ainda.
Corta qual navalha, rompe, dilacera.
Ah, essa imensa dor que não finda.
Triste desconsolo, estúpida quimera.

Ah, esse semblante exangue que me encara;
A dura e sisuda efígie triunfante.
Ah, essa ferida aberta que não sara.
Intrépido ardor, febril e lancinante

Que sempre se impõe, imenso obelisco
A arranhar meu céu. Infame primavera
Que flora o jardim, mas nunca meu Saara.

Queria adormecer à sombra de um aprisco;
Livre da injúria rude dessa fera,
Longe do relógio audaz que nunca pára.



 Frederico Salvo

19.4.12

Jogo de luzir


O poeta quis e fez-se o verso.
Nasceu, à pena grave, poesia;
Da bruma do silêncio que jazia,
Ouviu-se o murmúrio d’universo.

Estrela salpicada com a lua,
Palavras como rastro de cometa;
A prata fina n’água da rua,
Desenho escorrido na sarjeta.

Pena de poeta sempre pode
Tocar as franjas do mundo todo,
Num jogo de luzir a fantasia.

A força de um verso que explode.
A farsa, a ira, o bem-querer, o medo;
Com o som e os matizes que queria.


Frederico Salvo.

16.4.12

Talvez assim Ele dissesse.


Brado ao vento inutilmente
Como forte hemorragia.
Perdida e vaga sinfonia
Que se esvai qual sangue quente.

Falo de amor, mas não ouvis;
Mostro-vos claro, mas não vedes.
Emaranha-vos as redes
Do mundo que segue infeliz.

Dei-me em brutal sacrifício,
Entregue, imolei-me por vós;
Mas tudo se perde aos poucos.

Esquecestes, como indício
De negligência imensa e atroz,
De amar-vos uns aos outros.


Frederico Salvo.

14.4.12

Sibilos


a) O tempo voa quando se está à toa.

b) O tempo se arrasta quando a preguiça é vasta.

c) O tempo dorme quando a espera é enorme.

d) Alegria? Devo extraí-la de toda pedra.




Frederico Salvo

6.4.12

"Balada de mim"




Doravante sigo assim:
Beijando essa boca
De colorido carmim.
Comendo a fruta,
Sorvendo o sumo,
Saindo do prumo
Com limão e gim.
Não meço as palavras,
Perdi o juízo,
E se for preciso
Digo até que sim
Ao incoerente
Que se faz prudente
E agora inclemente
Se apossa de mim.
Deixei de remar
Contrário à correnteza,
Minha natureza
Cansou-se por fim
De querer conter
O sangue desatado,
De querer, a nado,
Chegar a Pequim.
(Talvez seja viável
Se eu, futuramente,
Falar mandarim).
Por hora me traduzo
Nessa “balada de mim”.
Passar bem!
(Decerto cheguei ao fim).


Frederico Salvo
***********************************
Direitos efetivos sobre a obra.

29.3.12

Quase incompreensível


Expresse alto, pois sou quase surdo.
Enxergo pouco, faça-se visível.
Atento aos gestos, posto que sou mudo.
Por isso, quase incompreensível.

Acerte o passo, ando bem ligeiro.
Entendo nada, seja simplicíssimo.
Aperte o laço ou fujo zombeteiro.
Esteja doce e faço-me dulcíssimo.

Sou como fogo: ardo e ilumino.
Sou como faca: corto e dilacero.
Sou como velho, sou feito menino.

Sou como a brisa mansa, se sincero;
Talvez a carne. Quem sabe o divino?
Eu sou o amor, da vida o refrigério.



Frederico Salvo.

26.3.12

Riso leve


E mesmo assim a vida não cessa,
E nem tristeza é sinônimo de lágrima.
Há um riso leve, e além da última página
Insiste a lembrança que hoje não tem pressa.

Lembrança de um tempo que nem tão longe anda.
Parece de ontem o som da risada.
Hilários bordões na boca da moçada,
Saudosos baianos ao som d’uma ciranda.

Anda. Não vê que mora ainda no vento
E brinca de saudade na dor desse momento
Enchendo-nos de graça a última piada?

Que o riso viva sempre em cada personagem
Que nos deixaste vivos aquém dessa viagem
Pois frente a tua arte a morte não é nada.


Ao "Pelé do humor": Chico Anysio.

23 de março 2012.

Frederico Salvo

16.3.12

Lógica


Esmiúço remotas paisagens
Entre cores anônimas, desbotadas,
Que colorem longínquas imagens
Despedaçadas!

Um soluço, um maneio, um assombro.
Por que foi que caminhei nessas estradas?
Minhas dúvidas (esse peso sobre o ombro)
Despedaçadas! Despedaçadas!

Flerto agora co’essa lógica, querida,
Pois não quero mergulhar em outros nadas,
Outros passos, outras metas, outras vidas
Despedaçadas! Despedaçadas! Despedaçadas!



Frederico Salvo

12.3.12

A tal felicidade



Se tudo o que fui se encontra no agora
E aquilo que está por vir não me pertence.
Se há somente um sol a iluminar lá fora
E o tempo é o algoz que a todos sempre vence.

Se a morte é real por menos que se pense
E tudo o que é vivo tem a sua hora.
Se a dor às vezes vem por mais que a dispense
E a rude incerteza em todo peito mora.

Que seja então melhor o mínimo sorriso.
Que a ínfima ventura seja abençoada
E a lâmina do hoje corte a ansiedade.

Porque essa verdade é tudo o que preciso,
Além desse momento não existe nada
E é onde repousa a tal felicidade.



Frederico Salvo

9.3.12

Alguns pensamentos.....


Não ficarei a julgar-me por ser isso ou não ser aquilo. Talvez pudesse ser muito mais ou então estar muito aquém do que sou hoje. Portanto, não escapo de carregar exatamente o fardo que mereço.

*********

É duro e frustrante constatar que alguns esperam de mim exatamente tudo aquilo que em discurso abominam.

*********

Não interessa aos frutos se quem os têm irá explorar a outros por suas qualidades, ou se irá saciar diretamente a fome de alguns sem pedir nada em troca. Cabe-lhes apenas serem frutos. Verdadeira culpa tem aquele ou esse se aduba mal intencionado.

*********
Tornou-se melhor porque,
à sombra do teu descanso,
exercitou-se carregando pedras.

*********

Frederico Salvo

5.3.12

Se queres ser feliz...

“Se queres ser feliz amanhã, tenta hoje mesmo”. - Liang tzu



Se queres ser feliz amanhã, tenta hoje mesmo,
Porque nunca vingou uma árvore sem semente
E jamais saberás o caminho andando a esmo.
Apressa a colocares a fé a tua frente.

Se queres ser feliz amanhã, anda ligeiro,
Porque ninguém poderá curar tua ferida
E mesmo que lances teu clamor ao mundo inteiro,
Só Uma luz iluminará a tua vida.

Se queres ser feliz amanhã, p’ra sempre esqueça
Toda marca que o passado fez na tua alma
E deixa de jogar aos porcos tua pérola.

Se queres ser feliz amanhã te dá ao máximo
Àqueles que mereçam de fato a tua palma
E que o resto (com o perdão da palavra) no limbo adormeça.


DEZ./2011

Frederico Salvo

24.2.12

Arrebatamento


Assim como o vento adentra pela mata
E toma de assalto a calma do momento.
Assim como a fragata consegue seu intento
E o peixe, num mergulho, ligeiramente cata.

Assim como a semente explode num rebento,
E o cerne do silêncio, o ruído desacata.
Assim como o remanso irrompe em cascata,
E o vulto d’um desejo invade o pensamento.

Assim também me chega desvelada, nua,
Distraidamente, ao clarão da lua
E faz com que, do belo, eu não me faça isento,

Às íris dos meus olhos, essa imagem clara
Intensa, deslumbrante, talhada em carrara...
Grato torvelinho...um arrebatamento.

Frederico Salvo

17.2.12

Segredo



Eu vou compartilhar contigo um segredo:
A despeito das cãs, insiste e não finda
Essa sensação de ser criança ainda.
Por isso é que faço dos versos, brinquedo.

Por que largar de mão a inocência linda
Ou ver sobrepujada essa flor ao medo?
Vergonha em ser petiz é engano ledo.
A mim a vida o traz e a essa taça brinda.

Eu sei que em ti também há essa criança;
Despretensiosamente vem, aflora, dança,
E faz em ti brotar intensa liberdade.

Abraça em silêncio o que foste mais cedo
E vê traspassar por entre o arvoredo,
Impávida e brilhante, a luz da verdade.


Frederico Salvo

13.2.12

Desdém


O presente que guardavas para mim
E trouxeste escondido, muito bem
Encerrado no canteiro do jardim,
Era a flor embrutecida do desdém.

Tinha cor encantadora, tinha viço
E o olor que inebriava o sentido,
Mas, plantada em terreno movediço,
Era o visgo, o avesso, o perigo.

Estendi o braço e a mão para roubá-la,
Mas a ponta perfurante d’um espinho
Impediu-me de findar o meu intento.

Dessa forma, antes qu’eu colhesse vento
E a má sorte me agarrasse o colarinho,
Deus mandou-me essa dor, para evitá-la.


Dez./2011


Frederico Salvo

10.2.12

Sobre fogo brando (republicado)


Fogo brando em ti mantenho aceso
Para que queime calmo. Continuamente.
Não me interessa os grandes incêndios.
Quero o calor que aquece, mas não queima.
Não quero a rápida incineração,
O cheiro de carne queimada.
Interessa-me o aroma inebriante
Do cozimento lento a instigar o apetite.
Interessa-me a água na boca por exercício do olfato.
Que eu possa olhar-te a vida inteira
Com a chama branda a aquecer-te o peito
E o teu olhar a acusar o fato.
Deixa que eu te prove a carne morna
Sobre os lençóis amenos e sob a noite cálida.
O teu arrepio, que disfarça o lume ardente,
Trazendo a mim tua energia toda,
Teus desejos quentes.
Que essa chama esteja sempre a aquecer-te a alma
E a tua aura a contornar-te o corpo;
Um contorno morno a abraçar-me tanto,
Num abraço lento a aquecer-me todo
Como se fosse fogo a cozer-me a carne.



Frederico Salvo
**************************
Direitos efetivos sobre a obra.

3.2.12

Rio


Expande, rompe, serpenteia, cresce.
Percorre o caminho que o meandro talha.
Enquanto avança um murmúrio espalha,
Um canto doce que o teu seio tece.

Recolhe o fruto que pende da galha
Que desavisada ao teu leito desce.
Queria deixar minha dor, se pudesse
Fazer do teu curso eterna mortalha.

Carrega contigo o que for passado.
Passado o remanso, retoma a toada
E volta à jornada como corredeira.

Deslumbra o olhar de quem, do outro lado,
Avista o teu salto da curva da estrada
E entorna em meus olhos como cachoeira.


Frederico Salvo

18.1.12

Rompantes -IV-

Se ainda fosse um vento polinizador,
Haveria beleza a se ver depois.

***
O rio que corre é sempre outro rio,
No instante seguinte: outra realidade.

***

A vontade de mandar tudo à merda
É exatamente a medida do egoísmo
De cada um.

***


Só ficou uma pedra no meio da estrada.
Única e inquebrantável:
Saudade.

***

Continua ecoando em mim
O som das palavras não ditas.

***


Sou o instante derradeiro
Que separa a gota de orvalho que cai solitária,
Da imensidão de um oceano.

***

Algumas vezes só o que nos cabe é silêncio e oração.

***

Frederico Salvo

15.1.12

Sorvete de morango (Canção)


Frederico Salvo e Aylton Azevedo
Frederico Salvo - violão e voz.




Quando tudo parece perdido
e só a noite parece clara,
tudo parece uma guerra fria,
um incêndio sem porta de saída.

Eu abro um livro, descubro um riso,
nem na geladeira eu encontro os amigos...

Na minha escura cegueira
Vago pelas ruas entre postes,
luzes, sombras, versos e manhãs.
Uma voz dispersa, quase incerta
me traz aos ouvidos nova canção.

Mas tudo é frio, tudo vazio.
Eu sinto que por enquanto
parece que a vida vai se derretendo
como um sorvete de morango.



Frederico Salvo e Aylton Azevedo

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10.1.12

4.1.12

Pretérito imperfeito




“Se você não mudar a direção, terminará exatamente onde começou”.


E já há muito vens andando em círculos
Revendo os próprios passos na estrada.
Voltas inteiras que trouxeram ao nada,
Às reticências, aos pontos e vírgulas.

Sabes de-cór a cor da paisagem
E quantas léguas são até o começo.
Em qual vereda pode haver tropeço,
Quando do pouso, e qual melhor paragem.

Mas de que vale, enfim, tod’esse feito
Se o teu defeito arma-te a cilada,
Se tens marcada a ferro no teu peito

Essa palavra crua tatuada
E conjugada em pretérito imperfeito
Que nunca foi além dessa jornada?


Frederico Salvo

1.1.12

O que te espreita na esquina?





O que te espreita na esquina?
Um malandro delinqüente?
Um bêbado impertinente?
Um Vesúvio? Um Katrina?

O que te espreita na esquina?
Um olhar que te encanta?
Um larápio sacripanta?
Aquele negócio da China?

Na certa, algo te espreita;
Algo tem contigo um encontro.
O relógio; Sempre o relógio.
Naquele exato instante,
O que te espreitava adiante,
Bate contigo na esquina.

O que te espreita na esquina?
Um roto e pobre pedinte?
Uma nota perdida (de vinte)?
Uma puta messalina?

O que te espreita na esquina?
O rosto da antiga amada?
Um amigo camarada?
Uma cólica repentina?

Na certa algo te espreita.
E pode ser qualquer coisa,
Ou também pode ser nada.
O vento. Quem sabe o vento?

Somente na última esquina,
Onde a saudade se enfeita
Uma certeza é cristalina:
A morte...
A indesejada morte...
Que sorrateira te espreita.


Frederico Salvo