24.2.12

Arrebatamento


Assim como o vento adentra pela mata
E toma de assalto a calma do momento.
Assim como a fragata consegue seu intento
E o peixe, num mergulho, ligeiramente cata.

Assim como a semente explode num rebento,
E o cerne do silêncio, o ruído desacata.
Assim como o remanso irrompe em cascata,
E o vulto d’um desejo invade o pensamento.

Assim também me chega desvelada, nua,
Distraidamente, ao clarão da lua
E faz com que, do belo, eu não me faça isento,

Às íris dos meus olhos, essa imagem clara
Intensa, deslumbrante, talhada em carrara...
Grato torvelinho...um arrebatamento.

Frederico Salvo

17.2.12

Segredo



Eu vou compartilhar contigo um segredo:
A despeito das cãs, insiste e não finda
Essa sensação de ser criança ainda.
Por isso é que faço dos versos, brinquedo.

Por que largar de mão a inocência linda
Ou ver sobrepujada essa flor ao medo?
Vergonha em ser petiz é engano ledo.
A mim a vida o traz e a essa taça brinda.

Eu sei que em ti também há essa criança;
Despretensiosamente vem, aflora, dança,
E faz em ti brotar intensa liberdade.

Abraça em silêncio o que foste mais cedo
E vê traspassar por entre o arvoredo,
Impávida e brilhante, a luz da verdade.


Frederico Salvo

13.2.12

Desdém


O presente que guardavas para mim
E trouxeste escondido, muito bem
Encerrado no canteiro do jardim,
Era a flor embrutecida do desdém.

Tinha cor encantadora, tinha viço
E o olor que inebriava o sentido,
Mas, plantada em terreno movediço,
Era o visgo, o avesso, o perigo.

Estendi o braço e a mão para roubá-la,
Mas a ponta perfurante d’um espinho
Impediu-me de findar o meu intento.

Dessa forma, antes qu’eu colhesse vento
E a má sorte me agarrasse o colarinho,
Deus mandou-me essa dor, para evitá-la.


Dez./2011


Frederico Salvo

10.2.12

Sobre fogo brando (republicado)


Fogo brando em ti mantenho aceso
Para que queime calmo. Continuamente.
Não me interessa os grandes incêndios.
Quero o calor que aquece, mas não queima.
Não quero a rápida incineração,
O cheiro de carne queimada.
Interessa-me o aroma inebriante
Do cozimento lento a instigar o apetite.
Interessa-me a água na boca por exercício do olfato.
Que eu possa olhar-te a vida inteira
Com a chama branda a aquecer-te o peito
E o teu olhar a acusar o fato.
Deixa que eu te prove a carne morna
Sobre os lençóis amenos e sob a noite cálida.
O teu arrepio, que disfarça o lume ardente,
Trazendo a mim tua energia toda,
Teus desejos quentes.
Que essa chama esteja sempre a aquecer-te a alma
E a tua aura a contornar-te o corpo;
Um contorno morno a abraçar-me tanto,
Num abraço lento a aquecer-me todo
Como se fosse fogo a cozer-me a carne.



Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

3.2.12

Rio


Expande, rompe, serpenteia, cresce.
Percorre o caminho que o meandro talha.
Enquanto avança um murmúrio espalha,
Um canto doce que o teu seio tece.

Recolhe o fruto que pende da galha
Que desavisada ao teu leito desce.
Queria deixar minha dor, se pudesse
Fazer do teu curso eterna mortalha.

Carrega contigo o que for passado.
Passado o remanso, retoma a toada
E volta à jornada como corredeira.

Deslumbra o olhar de quem, do outro lado,
Avista o teu salto da curva da estrada
E entorna em meus olhos como cachoeira.


Frederico Salvo